Água quente direto da geladeira.


Quem já não usou a parte de trás da geladeira para secar roupa? Frequente nas casas de solteiros e nas repúblicas universitárias, a prática tira proveito do calor que é normalmente dissipado pelo equipamento, algo com o qual Alcides Padilha nunca se conformou. “A geladeira aquece o ambiente. Ela produz o que eu chamo de ‘lixo térmico’”, diz o professor da Faculdade de Engenharia da Unesp em Bauru. Para reaproveitá-lo, o pesquisador desenvolveu um sistema que utiliza esse calor para aquecer a água que abastece pias e chuveiros. A ideia surgiu há cinco anos. “Eu via as pessoas pendurando meia, camiseta, pano de prato no condensador [a grade na parte traseira do eletrodoméstico] e ficava pensando no calor que a geladeira joga no ambiente, em como aproveitar isso”, recorda. Com seu grupo, ele adaptou um refrigerador dúplex de 337 litros, conectou-o a um cilindro com capacidade para armazenar 122 litros de água, instalou
uma série de sensores na parafernália e começou os experimentos. Nesse período, a ideia já rendeu três dissertações de mestrado e três artigos em publicações de alto impacto da área, como a revista Applied Thermal Engineering. Segundo o pesquisador, a tecnologia é pioneira e não tem similar no mundo. Para entender a invenção de Padilha, é preciso ter algumas noções básicas sobre o funcionamento do eletrodoméstico criado em 1850 pelo médico americano John Gorrie e que mudou para sempre os hábitos alimentares da humanidade. São quatro peças fundamentais: o compressor, o condensador, a serpentina interna e o dispositivo de expansão. Através delas escoa um fluido específico, o R-134a, que nos últimos anos substituiu o CFC, banido por ser nocivo à camada de ozônio. Ao passar pelo compressor, o gás é submetido a alta pressão e, como consequência, esquenta. Seu destino é o condensador, onde vai percorrer um longo e sinuoso caminho, com a finalidade de perder calor. Nesse percurso, o R-134a não só se resfria como passa ao estado líquido. É nesta etapa que se perde o calor que vai acabar aquecendo a grade. A próxima escala é o dispositivo de expansão. Depois de passar por ele, o fluido entra na serpentina localizada na parte interna da geladeira, onde a pressão é mais baixa. A mudança de pressão faz com que o fluido evapore imediatamente e sua temperatura despenque para valores negativos (-15º C no gabinete de refrigeração e -50º C no congelador). Depois esse gás é sugado pelo compressor e o ciclo se repete. Na geladeira adaptada pelo grupo de Bauru, há uma quinta peça, que faz toda a diferença. Após sair do compressor e antes de chegar ao condensador, o gás (quente) faz um desvio por um tubo de 30cm, chamado trocador de calor, por onde flui água à temperatura ambiente. O gás passa por um canal dentro desse tubo, e na direção contrária ao fluxo de água. A peça foi projetada para que ocorra a máxima troca de calor. A água sai dali a uma temperatura de cerca de 35º C, para ser então armazenada num reservatório isolado termicamente.“Nossa maior preocupação era que esse sistema não prejudicasse o funcionamento da geladeira”, afirma Padilha. “Conseguimos manter os 5º C no refrigerador e os -15º C no congelador”, acrescenta. Se a geladeira adaptada não perde eficiência, o mesmo não se pode dizer do refrigerador tradicional quando usado como varal de emergência para dias úmidos, esclarece o pesquisador. “[A prática] não danifica o equipamento, mas o gás de refrigeração deixa de condensar [passar do estado gasoso para o líquido], porque os obstáculos colocados sobre ele, como meias e panos de prato, dificultam a dissipação do calor”, explica. Resultado: a geladeira gela menos e os alimentos guardados nela correm risco. Calor que não se perde. No início do projeto, ninguém sabia quanto da energia elétrica consumida por uma geladeira acaba se perdendo na dissipação de calor. Os resultados obtidos em Bauru mostraram que são cerca de 40%. Com seu sistema de reaproveitamento de “lixo térmico”, a equipe de Padilha conseguiu aproveitar o equivalente a 121 kW dos 312 kW consumidos pelo refrigerador para aquecer água a custo zero. A princípio, a ideia é que o invento seja instalado em casas populares. “O armazenador poderia ficar escondido no forro ou debaixo do chão, conectando-se ao encanamento que leva água ao chuveiro ou à pia da cozinha”, diz Padilha. O volume de água armazenado (122 litros) pode ser aquecido por completo em 24 horas. “É o suficiente para seis banhos de cinco minutos em um dia”, afirma. A economia mensal na conta de energia elétrica seria de cerca de R$ 11. “Agora imagine se isso for adaptado para uma câmara fria, num frigorífico, por exemplo. Seria uma economia brutal”, conjectura.Se fabricada em escala industrial, o custo de adaptação da geladeira doméstica está estimado em cerca de R$ 500. Mas o projeto ainda não foi concluído. Nos próximos dois anos, o pesquisador pretende fazer experimentos mais detalhados.“Precisamos testar o sistema em geladeiras mais sofisticadas, em diferentes estações do ano, principalmente no inverno, e com o compartimento interno carregado, porque até agora tudo foi feito com ele vazio”, enumera Padilha.

São pesquisas como essa que dão orgulho de estudar em uma faculdade pública. Uma idéia  tão simples e tão eficiente. Garanto que muita gente quando viu essa reportagem pensou: "Mas eu sempre fiz isso! Como não pensei nisso antes?!"


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